16.9.18






Era uma tarde agradável de setembro. O céu estava claro, pintado em tons pastéis por algumas poucas nuvens cor de algodão-doce; os pássaros cantavam uns aos outros e à quem mais gostasse de ouví-los; o sol, tão distante e, no entanto, de calor tão acolhedor, lançava sua luz sobre a copa das árvores nas montanhas ao longe vistas. Uma leve brisa chacoalhava-lhes as folhas. Do lado de dentro, a tocar na velha vitrola, ouvia-se uma doce melodia de algum artista muito hábil em seu piano.

Com vagarosos passos, caminhara até o parapeito de sua ampla janela e pôs-se a observar o movimento das pessoas na rua distante. Um emaranhado de prédios turvavam-lhe a vista. Chaleiras apitavam nas casas próximas, a anunciarem  que de si poder-se-iam retirar aromáticos e saborosos chás vespertinos. Mesmo em um dia ocioso como o domingo, todos caminhavam à algum lugar com uma pressa que lhes parecia tão tristemente habitual. Não punham-se a observar a beleza da natureza que lhes cerca. Nada se via.

Então, como que de modo súbito, ele sentira seu coração palpitar-se a até quase desfalecer.

[ … ]

Há dias em que os minutos arrastam-se e os sinos da distante igreja parecem nunca badalar. Este não era-lhe um dia como aqueles, senão quando, perdido em seus devaneios, mergulhara em um oceano de lembranças. Ouvira, ao longe, o riso daquela a quem mais amara. Se aos seus olhos fechasse, era-lhe permitido o vislumbrar-se com a visão - tão real quanto o toque - dela, a sentir - com suas delicadas mãos - as pétalas de um lírio no vasto jardim que outrora houvera em sua casa. Ela foi-lhe como uma deidade em terrena dimensão, até que, por importuno destino, cedo, em seu mórbido abraço, envolvera-lhe a morte.

Ele jamais seria o mesmo.
Como Clarice, passou a sentir sua alma possuir o imaterial peso da solidão no meio de outros.

15.2.14

Solus



Quiet Calamity by Megatrue (dA)


Na inércia das eras, onde a humana compreensão do tempo e do espaço tornam-se uno ao incógnito, a fundirem-se na caldeira do acaso, estou submerso... Só, pairo onde jamais serei encontrado. Perdi-me há muitas, incontáveis noites nas tortuosas e escuras labaredas do ocaso. Sequer sabes quem sou? Sequer sei quem sou?

Confronta-me; conta as tuas mentiras. Tu, reflexo maldito do que não sou. Os estilhaços do céu rasgam minha carne; sangro escuridão.  O desalento é soprado pelas árvores, envolve-me num gélido abraço. Com o que resta, agarro-me.

Um grito mudo; ensurdecedor silêncio. Olhar penetrado que nada vê. O invisível a preencher-se com infinda densidade. O passado a tornar-se o agora; o agora que se torna o nunca mais. O suspiro que move nuvens, as quais sobre a terra derramam lágrimas que queimam. Dor apreciada, inconstante, infinita.

Sou feito de reticências.

29.3.12

Nitimur in vetitum

Little prince by Fabera [dA]



Eis que regozijou-se o seu coração com do desconhecido o júbilo. Sua respiração mantém-se compassada, a seguir um ritmo suave. O seu olhar - reflexo de um espírito em constante reflexão – está sereno, vidrado à beleza de um céu agitado desenhado com um sem-fim número de nuvens de cor de ferrugem, como se pintadas estas em tons pastéis, que se agitam como se com pressa para chegar n’algum lugar. No limiar de tal panorama o sol começa a se deitar sobre a relva de cor dourada. Morfeu lentamente estende seu negro manto sobre todas as cousas. É então neste simples momento que é-lhe permitido – seu coração em candura imerso – aos olhos fechar e o deleitar-se com a primal beleza do deslumbrar íntimo. Lançar-se ao desconhecido é conhecer-se a si mesmo.

[_29.02.12 – 00h32_]



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Bem... mais um escrito que, particularmente, não apreciei. Será que algum dia voltarei a escrever ao menos um pouco bem?...


W.G.
 

6.3.12

Fragmentum

Pandora by IgorSan (dA)


E então uma tormenta sem precedentes em seu cerne formou-se. De sua alma todas as lacunas foram gradualmente sendo preenchidas pela singular confiança do abismal verme... Sabia, e estava tão certo como em nenhum outro momento estaria, que rapidamente sua vida em negras chamas se consumiria.  O ardor nos olhos outrora tão brilhantes transformava-se agora em nada mais que soturno langor. Cria que sua vida sentido algum possuía, e, sem a si mesmo dar a liberdade do vacilar, o frio punhal em seu peito desnudo enterrou. Conforme a fria lâmina em seu coração adentrava, as lágrimas do que ter sido ele poderia em seus olhos se mostravam – e quase que incessantemente escorriam... Seu arrependimento – o único – é o de... [...]



[sem data]

10.2.12

Incipiens

Brand New Breeze by valse des ombres (dA)

Há algum tempo que a alma outrora turbulenta está calma. Não, calma não... Está apenas adormecida, inerte em uma dimensão onde não há espaço ou tempo. Já não se revolta, não ruge nem parte num ímpeto desmedidamente impensado a quase rasgar sua carcaça portadora. Seu silêncio é obtido a um alto custo. Não há o lado obscuro, não obstante o tédio – não pela falta de alguma tarefa a ser realizada, mas o primal, absoluto tédio de todas – e, sem exceção, todas – as coisas – seja o rei sem súditos neste gélido deserto que se tornou o seu cerne. E, às vezes, ele pensa que a indiferença é o que o move... ou não, sendo indiferente à própria indiferença.

Mas, não é bem assim. Em seu coração, sabe o que o faz se mover. Sabe também que talvez seja a hora de abrir os olhos de sua alma, tornar a enxergar – e sentir – o mundo, os mais sutis e deliciosos pormenores do mundo e expandir sua visão. É o momento para se fazer ouvir, rebentar sua voz como um trovão ruge ao vento a sua imponência. Hora de se libertar, de se abraçar à vida – ao particular sentido que ele dê à sua vida - e, o mais importante, de ser além da existência.